terça-feira, 28 de outubro de 2008

casa do vovô


Ataualpa é o nome dele, meu vovô.
Muita saudade, muitas boas lembranças dessa casa.
Ele me chamava de jararaca, abaixado com os braços abertos gritava " Cadê a jararaca do vovô?", e eu ingênua corria feliz pros braços dele.
Eu brincava na terra, com as panelas da cozinha dele, brincava de fazer nescau misturando a terra vermelha com água. Chupava cana, tomava também o caldo que ele espremia com a máquina que tinha no quintal. Comia ( e ainda como) laranja com shoyo, coisa que ele me ensinou. Puxava os gatos pelo rabo, querendo que brincassem comigo. Fazia brinquedinhos pros gatos com caixas de -fósforo, barbante e chapinha de refrigerante. Levava-os pro banheiro quando ia tomar banho, não querendo desgrudar dos bichanos, que miavam desesperadamente com o som da água. Eles tinham nomes estranhos; Piano, Pimpinela, Motoca. Hoje se refelte na escolhas dos meus; Kaiser,Sapinha, Bolota, Tortinho, Magrela, Colombina.
Tomava banho na caixa d'água, que ainda cabia a irmã e a prima.
Ele usava chapéu de palha, e tamém um chapéu de pano que hoje está no armário da minha irmã. As paredes da casa eram em madeira, e o quarto dos fundos no verão, dava muita barata, e eu morria de medo de levantar pra ir no banheiro no meio da noite. Eu comia feijão marrom.
O chão da entrada da casa era feito de azulejos coloridos, e o quintal tinha seriguela. Tinha também uma marcenaria, com muita tralha, muito resto de madeira, e sabe-se lá mais o que. E era pra lá que os gatos fugiam desesperados com nossas mãozinhas querendo agarrá-los.
Tinha tubaína, e no Natal a família toda se juntava na casa da tia. A gente cantava e trocava presentes. Era muita gente junta. Meu avô teve sete filhos, e um deles mais sete. Família grande, que ele unia. Quando ele se foi, se não me falha a memória, acabaram-se as festas grandes.
Ainda me refugio no colo dele, e ele ainda me conforta com as frutinhas do quintal.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

quando eu tava lendo Picasso


Lagrimas de oro







Tú no tienes la culpa mi amor
Que el mundo sea tan feo
Tú no tienes la culpa mi amor
De tanto tiroteo
Vas por la calle llorando
Lágrimas de oro
Vas por la calle brotando
Lágrimas de oro
Tú no tienes la culpa mi amor
De tanto cachondeo
Tú no tienes la culpa mi amor
Vámonos de jaleo
Ahí por la calle llorando
Lágrimas de oro
Ahí por la calle brotando
Lágrimas de oro
Llegó el cancodrilo y Super Chango
Y toda la vaina de Maracaibo
En este mundo hay mucha confusión
Suenan los tambores de la rebelión
Suena mi pueblo suena la razón
Suena el guaguancon
tú no tienes la culpa mi amor
Lágrimas de oro...


Manu Chau


Desencontro


Às vezes é no desencontro
que as almas se revelam
quando se ferem se lanham
com palavras lágrimas e insultos
e só lhes resta o assombro.

Bem que gostaríamos
que fosse ameno doce ou luminoso
o encontro mas é no desencontro
que às vezes as almas se revelam
quando ásperas e agressivas
se tocam no mais fundo
e perplexas se contemplam
como se contempla
- o intransponível abismo.

Affonso Romano de Sant'Anna

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

angú(stias)

Que tipo de professora serei eu?
Isso me aflige quando lembro de professores que tive.

Alguns fizeram uma grande diferença, somaram muito em minha vida, na minha formação como pessoa, nas minhas escolhas. Outros fizeram com que eu criasse monstros que ainda hoje me atormentam. É preciso ter muito cuidado, cuidado com as palavras ditas, com as críticas, com os conceitos passados, como autoritarismo.

Sei que não estou livre de me tornar um destes monstros, mas prometo me esforçar para estar atenta a isso. Atenta ao expressar meus pensamentos, e atenta ao cuidado que se deve ter com as palavras ditas.
É preciso pensar na relatividade das coisas, no que para mim "é", mas para outros "não é". Não impor a opinião, não impor o ponto de vista. Incentivar a criar, a perceber, a expressar. Instigar coisas positivas. Apresentar-lhes grandes seres humanos.

Eu não quero ensinar a copiar, por que isso a gente aprende até sozinho. Eu quero inspirar, instigar. Isso não quer dizer que vou conseguir, não tenho a pretensão de formar artistas, e sim formar seres humanos, espremer sentimentos, exprimir sentimentos. Fazer com que os tragam pra fora.
Não quero ser mais um, quero somar, fazer a diferença.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Estou dizendo para esta lagartixa



Estou dizendo para esta lagartixa
na parede do meu quarto
que o século vai acabar
mas ela não me olha
nem me entende.

Já tentei falar com a formiga
com a aranha
fui ao limoeiro da horta
e ninguem liga.

Olho os objetos da sala
minhas coisas no escritório (os óculos)
e no quarto (os sapatos).

Todos indiferentes

Não estão em pânico
não devem nada
e não tem planos.

O tempo é mesmo
uma doença humana.


Affonso Romano de Sant'Anna

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Eu apenas queria que você soubesse

Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira

Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também

E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé

Eu apenas queira que você soubesse
Que essa criança brinca nesta roda
E não teme o corte de novas feridas
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida...

Gonzaguinha

Em respeito à Paulo Freire

Dia 15 de Outubro, dia dos professores.
Por coincidência o livro que leio agora é "Pedagogia da indignação", de Paulo Freire. Me peguei pensando nele, como quem tem saudade. Lembrei-me então de um e-mail que recebi pouco tempo atrás, e agora transcrevo-o aqui, numa pequena homenagem.


Na edição de 20 de Agosto a revista Veja publicou a reportagem O que estão ensinando a ele? De autoria de Monica Weinberg e Camila Pereira, ela foi baseada em pesquisa sobre qualidade do ensino no Brasil. Entre as linhas da reportagem podemos encontrar isso:

"Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização[ ...]

Em resposta ao lixo escrito acima, Nita, viúva de Paulo Freire, publicou a seguinte carta de repúdio:

"Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE -- e um dos maiores de toda a história da humanidade --, quero registrar minha mais profunda indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada semana a revista VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas de nosso país. Não a leio por princípio, mas ouço comentários sobre sua postura danosa através do jornalismo crítico. Não proclama sua opção em favor dos poderosos e endinheirados da direita, mas , camufladamente, age em nome do reacionarismo desta.Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoar pessoas as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo, que dedicou seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais bonito e mais justo, não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira vez que o atacam. Quando da morte de meu marido, em 1997, o obituário da revista em questão não lamentou a sua morte, como fizeram todos os outros órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva do mundo, apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele feitas.A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente com o apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética, certamente em favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada por Paulo. Esta não é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que é conhecido no mundo por sua conduta ética verdadeiramente humanista...Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que, certamente para se sentirem e serem parceiras do “filósofo” e aceitas pelos neoliberais desvirtuam o papel do feminino na sociedade brasileira atual. Com linguagem grosseira, rasteira e irresponsável, elas se filiam à mesma linha de opção política do primeiro, falam em favor da ética do mercado, que tem como premissa miserabilizar os mais pobres e os mais fracos do mundo, embora para desgosto deles, estamos conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro reacionário.Superação realizada não só pela política federal de extinção da pobreza, mas , sobretudo pelo trabalho de meu marido – na qual esta política de distribuição da renda se baseou - que demonstrou ao mundo que todos e todas somos sujeitos da história e não apenas objeto dela. Nas 12 páginas, nas quais proliferam um civismo às avessas e a má apreensão da realidade, os participantes e as autoras da matéria dão continuidade às práticas autoritárias, fascistas, retrógradas da cata às bruxas dos anos 50 e da ótica de subversão encontrada em todo ato humanista no nefasto período da Ditadura Militar.Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média brasileira medíocre que tem a Veja como seu “Norte” e “Bíblia”, esta matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os e as que a fazem vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou religião.Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no caminho certo para a construção da autêntica democracia. Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de proclamar que Paulo Freire Vive!São Paulo, 11 de setembro de 2008Ana Maria Araújo Freire".

* a carta de repudio pode ser encontrada no Blog do jornalista Luis Carlos Azenha:
http://www.viomundo .com.br/voce- escreve/viuva- de-paulo- freire-escreve- carta-de- repudio-a- revista-veja/

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Preto velho


Aquele preto
Tão preto

Com aquela barba branca,
Tão preta

E aquele olhar tão meigo
De quem espera ganhar
Um sorriso incolor

Secos e Molhados

There is no place like home

Me graduei em Escultura, pela UFRJ, em 2007. Em meu projeto final realizei uma performance, que resultou um vídeo. Para fazê-los tive ajuda de amigos, companheiros, que me apoiaram, ajudaram com seus braços, pernas, mentes, horas, dias... Todos foram essenciais para que ele se concretizasse. Agradeço imensamente à todos eles, os "aristas muito colaboradores", por terem ajudado a realizar esse projeto, que foi tão importante quanto a própria "casa" que tanto busco.

À Tati pela ajuda virtual, mesmo à distância, via msn, me deu a retaguarda da roupa, o modelo, que cor, que gola, o desenho, que tecido, que tinta, e até os finalmentes da costura, quando tive a sorte de poder tê-la ao meu lado.

À Carol Valansi pela direção de cena, pelo incentivo, pelo encorajamento e (tentativa de) libertação do meu braço duro, pela filmagem, pelas horas investidas no meu projeto, e é claro, por todas as conversas enriquecedoras, e por seu lindo olhar atrás das lentes.

À Isabela Roriz e Thaíza Duarte, pela ajuda nas filmagens, pelas dicas, olhares e conversas, e ainda, Bela, obrigada pela câmera, sem ela nada disso seria registrado.

À Clarice Levy, pela música feita especialmente pra mim e pro trabalho, feitas sob inspiração Divina, com certeza. Sem sua música não sei o que seria da minha angústia!

Ao Marcelo Figueiredo, que ficou noites sem dormir (junto comigo e Thaíza), com todo detalhismo e perfeccionismo que fizeram da edição a chave de ouro pra fechar o projeto.

Ao Bruno Jacomino, meu amor e companheiro, que esteve comigo durante todo o processo, desde o nascimento à realização do trabalho, sempre me aturando e apoiando, e ainda participando ativamente das filmagens.

À Simone Michelin, minha Orientadora (com O maísculo), grande professora e artista, que acreditou e incentivou meu projeto, me dando linhas de direção certeiras com sua sensível percepção.

E à Deus, é claro, que colocou todas essas almas no meu caminho, me ajudando a andar mais firmemente por ele.
Obrigada!
(assistam o vídeo, ele está na lateral da página)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Eu, tu, ele.




"Sempre posso parar, olhar além da janela. Mas do interior do trem, nunca é fixa a paisagem. Os pés de ipê coloridos misturam-se às paredes de concreto e as paredes de concreto às ruazinhas de casas desbotadas e as ruazinhas de casas desbotadas às caras das lavadeiras na beira do rio, e desta distância essas caras não são móveis nem vivas, mas sem feições, esculpidas em barro sob as trouxas brancas de roupa suja, e outra vez o roxo e o amarelo dos ipês e o marrom da terra e o bordô das buganvílias e o verde de uma farda militar atravessando os trilhos. Há um excesso de cores e de formas pelo mundo. E tudo vibra pulsátil, fremindo."
caio fernando abreu

As coisas

" As coisas tem peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração,densidade, cheiro, valor, consistencia, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência preço, destino, idade, sentido. As coisas não tem paz."
Arnaldo Antunes




Disse Dona Benta*

"sei que os sapatos não caminham por si
e sim com gente dentro." (*em histórias do mundo, de monteiro lobato)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Coma frutas



"A tarefa do professor: mostrar a frutinha. Comê-las diante dos olhos dos alunos. Provocar a fome. Erotizar os olhos, fazê-los babar de desejo. Acordar a inteligência adormecida. Aí a cabeça fica grávida: engordar com idéias. E quando a cabeça engravida não há nada que segure o corpo".
Rubens Alves

A vocação



"Eu não entrei na trilha dos saltimbancos por acaso, nem para ser um reles fazedor de graça. Eu queria consagrar a minha vida através de um imperioso apelo vocacional. Mas a pessoas, com suas receitas de sucesso, sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma sensibilidade, vieram me falar de mil e um palhaços geniais. Tem um que comove multidões ao aprisionar um raio de sol para levar para casa... Tem um que faz balões de gás dançarem alegremente ao som de seu trompete... Tem um que ridicularizou um tirano, um assassino sanguinário que queria ser o senhor absoluto do Mundo... Tem um comprido, de calça pela canela, arcado pra frente devido ao pesado fardo da indignação contra a mecanização imposta ao homem moderno... Tem o magro sonso... E o gordo ingênuo e bravo... Tem os que dão piruetas, saltam, dão cambalhotas, levam bofetões... Tem os que tocam música clássica em garrafas vazias penduradas num varal... Tem outro... e outro...e outro...Tem aquele pobre palhaço louco que andava pelas igrejas jogando malabares diante das imagens de Santa Maria; este, me disseram, morreu enforcado na cruz do Senhor Jesus Cristo, numa catedral gótica...Escutei humilde a estória de cada um desses incríveis artistas que viajavam pelas vias da loucura.
Saber desses palhaços... para mim, Bobo Plin, um palhaçinho de merda que começava a engatinhar nos picadeiros mal iluminados das espeluncas...saber desses palhaços só serviu para me tolher. Quanto mais eu sabia deles, mais e mais Bobo Plin, o palhaço que eu queria ser, se enroscava nas minhas entranhas. A referência esmagava a minha intuição e provocava auto-censura. A comparação, maldita inimiga da igualdade, fazia dos magníficos histriões elementos inibidores da minha criatividade. Agora, Bobo Plin não quer saber da façanha desses belos palhaços. Não quer vê-los. Nem sequer saber de seus bigodes, sapatões, guizos, pompons, bolas, balões e babados. A magia dos grandes artistas não pode ser ensinada: são segredos que se aprende com o coração. Essa magia se manifesta quando se resolve fazer a própria. Para Bobo Plin se irmanar com os grandes palhaços que luziram nos palcos e picadeiros, tem que se esquecer deles para sempre. Não pode recolher nenhuma indicação deixada pelo caminho. Tem que andar sem bússola, na mais tenebrosa escuridão. Qualquer brilho, qualquer estrela, qualquer sol, qualquer referencial vira um ponto hipnótico embrutecedor.
E eu quero fazer a minha alma."

Plínio Marcos

A mulher barbada

"Com o que será que sonha
A mulher barbada?
Será que no sonho ela salta
Como a trapezista?
Será que sonhando se arrisca
Como um domador?
Vai ver ela só tira a máscara
Como o palhaço

O que será que tem
O que será que hein?
O que será que tem a perder

A mulher barbada?

Adriana Calcanhotto