segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Cachórros

Um cachorro velho, rabugento, que late tentando cumprir sua função de guarda, nada mais nada menos que do Templo de Zeus, em Atenas. (ai que chique bem!)
O único que latia com tanto afinco, e o mais véin. Os dentinhos pra fora, provavelmente molinhos, e nem devem aguentar morder mais nada... nem as próprias pulgas. Mas ele tá lá, firme e forte, cumprindo a missão que lhe foi dignamente designada... proteger o templo do maior deus da mitologia!
Bicho esperto. Ele deve saber que lá de cima Zeus tá de olho em tudo. E os outros que se entendam lá com Ele depois, rs.

Queria morar mais perto

Hoje só quero dizer isso mesmo: que eu queria morar mais perto. Moro longe de tudo que preciso fazer, de tudo que a vida tá me trazendo.
Amo minha cidade, mas a única coisa que tem realmente crescido por aqui é a população, e o trânsito. Ah, mentira, lembrei duma coisa que vi crescer muito hoje: as poças d'água com a chuva que caiu. E não veio sozinha, com ela trouxe o transito... puta merda! Queria morar mais perto!


sábado, 22 de novembro de 2008

natureza morta





Composição:
Café da manha no Sana.

Relatos

Começei a dar aula de artes há um mês numa escola particular. Mês de novembro. A coordenadora pediu que eu trabalhasse nesse mês o tema da Coinsciencia Negra, e eu logo me empolguei.
Na primeira aula, enquanto as crianças procuravam para recortar das revistas negros brasileiros à meu pedido, uma aluna, uma menina negra, me mostrou a figura de um macaco como se fosse uma pessoa negra. Eu não tive reação, não esperava ouvir isso logo na minha primeira aula, inda mais de uma menina negra! Simplesmente fiz cara de repreensão, e disse que era muito feio o que ela tava dizendo.
Duas semanas depois, essa mesma menina negra (que deve ter 6 anos, pois está no segundo ano do fundamental) virou pra mim no começo da aula, antes mesmo de eu ter passado a proposta daquele dia, e falou "tia, não quero mais desenhar gente negra não", e eu perguntei porque. Ela disse que não sabe desenhar "gente negra", só "gente branca"e eu disse que era a mesma coisa. E pra completar eu disse pra ela que ela é negra, e ela disse " Não tia, eu sou morena", mas eu insisti, disse que não, que ela é negra. E nisso ela começou a perguntar se os outros amiguinhos da sala, inclusive eu, e da professora da turma, que é branca de olhos azuis quem é negro.
Sobre mim disse que sou morena, mas que tô quase lá. Minha pele não é tão escura, e o sangue é bem misturado (como todos por aqui). Mas a alma...! Não posso ouvir um batuque que o sangue já ferve! ai ai ai Sim, no Brasil somos todos mistura, disso todo mundo sabe. O que nem sempre é sabido, é que esse mesmo povo "misturado" tem preconceito contra si próprio. Tem vergonha de dizer que é negro, por que ser negro é sinonimo de uma coisa ruim. O negro é mal visto, e ninguém quer ser mal visto, né. Todo mundo quer ser aceito.

Com essas aulas aprendi mais que ensinei, e agora me sinto mais preparada para no ano que vem fazer um trabalho mais profundo, não só no mês de novembro, mas todos os dias.

Evento p quem gosta de palhaçaria

Vem aí o " Anjos do Picadeiro", em sua sétima edição, eu estarei lá, com certeza, cercando de todas as maneiras possíveis! Para quem não conhece, este é um encontro internacional de palhaços, que acontece desde 1996, e tem como origem o grupo Teatro de Anônimo.
Confira a programaçao >>>>http://www.anjosdopicadeiro.com.br/

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Filo-sofia


"A maturidade do homem consiste em recuperar a seriedade
com a qual brincava quando era criança"

Friedrich Nietzche

Isso então quer dizer que já sou madura??? êeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

PROCURA-SE


Procura-se O Menino Marrom, livro do Ziraldo, aparentemente raro, pois tenho procurado há dias, e parece que o destino está dificultando. Agradecerei imensamente à São Longuinho assim que encontrá-lo, dando muitos pulinhos, ou à quem puder me dar alguma pista de onde está este menino.
Será ele um menino travesso brincando de esconder?

DOUTORES DA ALEGRIA EM EVENTO ESSE FINDI NO SESC COPA

Que Palhaçada é Essa?! Rio de Janeiro - 15/11/2008


SÁBADO - 15/1114h - Abertura do Evento, Exposição e Ambulatório de Besteirologia.

14:30h - Doutores da Alegria contam causos

15:30h - Lançamento do Caderno Boca Larfa IV


17h - Apresentação de "Troca de Plantão - .


Eu fui, quem não foi PERDEU, foi mto bom!




site do Drs.:http://www.doutoresdaalegria.org.br/internas.asp?secao=newsletter&id=258

SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E CENTENÁRIO DA UMBANDA


"QUEBRE SUAS CORRENTES E VOCÊ SERA LIVRE,
CORTE SUAS RAÍZES E VOCÊ MORRE."
(provérbio africano)

A CEPPIR-Nit realizará vários eventos no mês de novembro em comemoração a SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA e ao CENTENÁRIO DA UMBANDA. Estes farão parte, ainda das festividades do aniversário de Niterói:

14/11 - HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DA UMBANDA - Câmara Municipal de Niterói
- a partir das 17h - Entrega de Moção - Cânticos, rufar de tambores e homenagens 19/11 - III ENCONTRO DE SAÚDE NO AXÉ DE NITERÓI - Teatro Popular de Niterói - a partir das 15h - Dança afro + DEBATE + olodumaré + cooquetel

Composição da mesa:

Secretaria Estadual de Saúde
Secretaria Municipal de Saúde
Representante da Mulher no Axé
Representante da Ong Criola
Representante Projeto Quilombo
Representante da Rede Nacional de Matriz Africana e Saúde
Representante da Câmara de Deputados
Representante da Federação Brasileira de Umbanda
Representante do Ministério de Saúde

20/11 - NITERÓI FESTEJA ZUMBI - Teatro Popular de Niterói - a partir das 14h:

- Barracas, shows de hip hop, jongo, capoeira, maracatu e roda de samba 21/11 - DEBATE: CONSCIÊNCIA NEGRA: APRENDER NA DIVERSIDADE - Teatro Popular de Niterói - a partir das 16h30min - dança afro, debate, exibição de filmes: Mestre Darcy e "As filhas do Vento"

Composição da mesa:

- Profª Doutora Denise Barata (Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana - UERJ)
- Profº senegalês Amadou Abdolaye Diop (Mestre em comunicação UFMG e doutorando em literatura comparada)
- Jorge Pereira da Silva - Coord Ceppir-Nit
- Profº Wagner Ramos Pereira - Direitos Humanos/Cândido Mendes- Profº André Diniz da Silva - Historiador, escritor e Vereador (Pres. da Comissão de Educação e Cultura da Câmara Municipal de Niterói)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Mês da Coinsciência Negra- Você já ouviu falar em Chico-Rei?

Vindo do Reino do Congo com sua mulher, seu filho e seu povo para as minas de ouro da antiga Vila Rica, um rei africano chamado Galanga é transformado em escravo e batizado como Francisco. No caminho para o Brasil sua mulher, a rainha Djalo é jogada no mar junto com dezenas de negras para diminuir o peso da embarcação perante as tempestades freqüentes. Comprado dos traficantes pelo dono da mina de ouro Encardideira que tinha diversas dívidas com a corte portuguesa, Galanga agora chamado de Chico (como todos os negros da época) tem na busca pelo ouro a única forma de alcançar sua alforria de forma legal segundo as leis da época. Nessa negociação ele se separa de seu filho Muzinga, que futuramente fugiria para um quilombo.Chico Rei com a ajuda de Santa Ifigênia que o guiava na busca pelo ouro alcança grande êxito e conquista sua carta de alforria. Em liberdade se une a Irmandade do Rosário formada por negros forros da cidade de Ouro Preto antiga.Mas seu antigo patrão continua endividado com Portugal e sofrerepresálias do governador da província. Chico Rei, junto à irmandade do Rosário sugere assumir as dívidas e comprar a mina Encardideira. Seu patrão já cansado e num ato de vingança contra o governador vende a mina e concede a oportunidade de Chico Rei ser o primeiro africano dono de mina de ouro no Brasil.Chico Rei inicia o trabalho duro na Mina e passa a comprar a alforria de seu povo, e de africanos escravos que passam a trabalhar na minas da Encardideira e na roça daquela propriedade até que em um carregamento de ouro para Portugal é descoberto com pedras de outro metal ao invés de ouro. O governador de Vila Rica já avesso ao rei africano dono de mina coloca a culpa em Chico Rei e o prende. O povo da época se rebela e força o governador a libertar o antigo rei do congo. Liberto, Chico Rei da seqüência ao trabalho junto a seu povo construindo a igreja de Santa Ifigênia que existe até hoje. Dizem que na comunidade de Chico Rei é atribuída uma das origens dos festejos da Congada Mineira.


Berimbau, pintura de Debret

________________________________________________________


"A idéia do rei foi genial
Esconder o pó de ouro entre os cabelos
Assim fez seu pessoal
Todas as noites quando das minas regressavam
Iam à igreja e suas cabeças banhavam
Era o ouro depositado na pia
E guardado em outro lugar com garantia
Até completar a importância
Para comprar suas alforrias
Foram libertos cada um por sua vez
E assim foi que o rei
Sob o sol da liberdade trabalhou
E um pouco de terra ele comprou
Descobrindo ouro enriqueceu
Escolheu o nome de Francisco
E ao catolicismo se converteu
No ponto mais alto da cidade,
Chico Rei
Com seu espírito de luz
Mandou construir uma igreja
E a denominou
Santa Ifigênia do Alto da Cruz”.

Geraldo Babão, Djalma Sabiá e Binha
Trecho do enredo do Salgueiro, 1964

Pera, uva ou maçã?

Rói as unhas no momento em que abro a porta, a bolsa comprimida contra os seios. Como sempre, penso, ao deixá-la passar, cabeça baixa, para sentar-se no mesmo lugar, segundas e quintas, dezessete horas: como sempre. Fecho a porta, caminho até a poltrona à sua frente, sento, cruzo as pernas, tendo antes o cuidado de suspender as calças para que não se formem aquelas desagradáveis bolsas nos joelhos. Espero algum tempo. Ela não diz nada. Parece olhar fixamente as minhas meias. Tiro devagar os cigarros do bolso esquerdo do paletó, apanho um com a ponta dos dedos, sem tirar o maço do bolso, e fico batendo o filtro no braço da poltrona enquanto procuro o isqueiro no bolso pequeno da calça. Antes de acendê-lo, penso mais uma vez que não deveria usar esses isqueiros plásticos descartáveis. Alguém me disse que não-são-degradáveis. Não consigo lembrar quem, quando, nem onde ou por quê. Rodo o isqueiro maligno entre os dedos, depois acendo o cigarro. Então ela diz:
- Desculpe, mas acho que você está com as meias trocadas.
Geralmente um cigarro dura entre cinco e dez minutos. Como eu, para tranqüilizá-la, tento gastar o máximo de tempo possível fazendo coisas como fechar a porta, puxar as calças, pensar em isqueiros e ecologias, quase sempre ela fala somente quando termino o primeiro cigarro. Quase sempre depois que pergunto, com extremo cuidado, no que está pensando. Só então ela suspira, ergue os olhos, me olha de frente. Desta vez, porém, não suspira ao falar nas meias. Penso em dizer que acordei um pouco tarde demais, razoavelmente atrasado, e que. Mas prefiro perguntar lento:
- E isso te incomoda?
Ela contrai os ombros, de maneira que sobem até quase a altura das orelhas. Depois solta-os devagar, curvando-os para trás, convexos, como se fizesse uma massagem em si mesma:
- Não é que incomode, só que. Olha, para falar a verdade eu não me importo nem um pouco com as suas meias.
Solta a última frase rápido demais, como se estivesse querendo se ver logo livre dela, e fica à espera para ver o que digo. Mas eu não digo coisa alguma. Limito-me a dar outra tragada no cigarro, batendo a cinza no cinzeiro italiano trazido de Milão. Arrumo os óculos sobre o nariz, estes aros estilo nouvelle-vague precisam ser ajustados, sempre escorregando. Alguma cinza cai sobre minhas calças. Molho o indicador e o polegar para apanhá-la sem que se esfarele, jogo-a no cinzeiro. Ela espera. Olho fixamente para ela. Ela olha fixamente para mim, depois baixa os olhos enquanto seus ombros também tornam a subir e novamente a baixar. Quando chegam ao lugar normal, ela torna a erguer os olhos. Eu continuo esperando. Resolvo ajudá-la, pausado:
- Quer dizer então que você não se importa nem um pouco com as minhas meias?
Ela abre a boca sem falar.
- Não foi o que você disse?
Ela suspira. Estica as pernas, cruza os braços impaciente:
- Foi, foi. Mas o que eu quero mesmo dizer é que hoje não estou disposta a gastar. Gastar não, passar. Não se sinta agredido, não é isso. O que acontece é que. Eu não estou disposta a passar. Eu, eu aposto nas ameixas.
Sem entender, espero. Ela também tira um cigarro da bolsa. Remexe algum tempo, procurando fogo. Chego a estender meu isqueiro não degradável, mas ela já encontrou uma caixa de fósforos. Acende, sacode a chama no ar decidida:
- Escuta, hoje eu não estou disposta a passar aqui uma dessas suas horas de quarenta e cinco minutos discutindo as razões sub ou inconscientes de por que eu disse que você está com as meias trocadas, certo?
Eu bato o cigarro no cinzeiro.
- É que aconteceu uma coisa.
Eu descruzo as pernas.
- Uma coisa muito importante.
Eu olho o relógio suíço, passaram-se quinze minutos. Volto a encará-la, esperando que continue a falar. Não continua, mas olha fixo para mim, as faces coradas, olhar brilhante como se tivesse um pouco de febre. Espero um pouco mais. Agora que estou com as pernas descruzadas, basta estendê-las para ver a cor das meias. Chego a ficar tão curioso que faço um pequeno movimento para a frente. Talvez a bordô com friso branco, e a xadrez de preto e vermelho? A cinza do cigarro torna a cair sobre as calças, mas desta vez não é necessário molhar o indicador e o polegar para levá-la ao cinzeiro. Basta uma leve sacudidela para que caia sobre o tapete. Quando torno a olhar para ela seus olhos brilham tanto que, mais uma vez, tento ajudá-la. Calmo:
- Mas que coisa tão importante assim foi essa que te aconteceu?
Ela baixa a cabeça, murmura alguma coisa para si mesma em voz tão baixa que não consigo ouvir uma palavra.
- Como foi que você disse?
Ela apaga o cigarro, tensa:
- Quando vinha vindo para cá tropecei num caixão de defunto.
Se eu trouxesse muito lentamente uma das pernas até o lado direito da poltrona, dobrando um pouco o joelho, conseguiria ver a cor pelo menos de uma das meias. Mas ela continua:
- Quando dobrei a rua, daquele sobrado amarelo da esquina ia saindo um enterro. -Tira outro cigarro da bolsa. - Não, não foi assim. Antes, eu tinha comprado um quilo de ameixas. - Por um momento fica com dois cigarros nas mãos, um aceso, outro apagado. Depois acende um no outro. - Também não foi assim. Antes, ontem, eu dormi até quase as três horas da tarde de hoje. Então minha mãe me chamou para vir aqui.
Pára de falar, faz uma careta. Fico sem entender, até que ela apague o cigarro.
- Acendi o filtro, que merda.
Ela nunca disse um palavrão antes, penso.
- Escute.
Talvez a verde-musgo com losangos cinzentos? E no outro pé a cinza com debruns vermelhos?
- Eu vinha vindo para cá. Eu vinha vindo meio tonta, como sempre fico, assim meio tonta, meio aérea quando durmo tanto. E nem durmo, é mais uma coisa que parece assim. Que nem, sei lá. Foi numa dessas barraquinhas de frutas que eu vi. Eu vinha de cabeça baixa, umas ameixas tão vermelhas. Eu vinha pensando numa porção de coisas quando.
- Que coisas?
- Que coisas o quê?
- As que você vinha pensando.
- Ah.
Ela acende outro cigarro. Do lado certo. E fala soltando a fumaça:
- Sei lá, que eu ando. Muito triste. Uma merda, tudo isso. Mas não importa, não me interrompa agora. Deixa eu falar, por favor, deixa eu falar. Tem uma coisa dentro de mim que continua dormindo quando eu acordo, lá longe de mim. - Traga fundo. E solta a fumaça quase sem respirar. - Foi então que vi aquelas ameixas e achei tão bonitas e tão vermelhas que pedi um quilo e era minha última grana certo porque meus pais não me dão nada e daí eu pensei assim se comprar essas ameixas agora vou ter que voltar a pé para casa mas que importa volto a pé mesmo pode ser até que acorde um pouco e aquela coisa lá longe volte pra perto de mim e então eu vinha caminhando devagarinho as ameixas eu não conseguia parar de comer sabe já tinha comido acho que umas seis estava toda melada quando dobrei a esquina aqui da rua e ia saindo um caixão de defunto do sobrado amarelo na esquina certo acho que era um caixão cheio quer dizer com defunto dentro porque ia saindo e não entrando certo e foi bem na hora que eu dobrei não deu tempo de parar nem de desviar daí então eu tropecei no caixão e as ameixas todas caíram assim paf! na calçada e foi aí que eu reparei naquelas pessoas todas de preto e óculos escuros e lenços no nariz e uma porrada de coroas de flores devia ser um defunto muito rico certo e aquele carro fúnebre ali parado e só aí eu entendi que era um velório. Quer dizer, um enterro. O velório é antes, certo?
- É - confirmo. - O velório é antes.
- Ficou todo mundo parado, me olhando. Eu me abaixei e comecei a catar as ameixas na sarjeta. Eu não estava me importando que fosse um enterro e que tudo tivesse parado só por minha causa, certo? Apanhei uma por uma. Só depois que tinha guardado todas de volta no pacote é que as coisas começaram a se mexer de novo. Eu continuei vindo para cá, as pessoas continuaram carregando o caixão para o carro fúnebre. Mas primeiro ficou assim um minuto tudo parado, como uma fotografia, como quando você congela a cena no vídeo. Eu juntando as ameixas e aquelas pessoas todas ali paradas me olhando. Você está prestando atenção? Aquelas pessoas todas paradas me olhando e eu ali juntando as ameixas.
Ela pára de falar, fica olhando para mim. Depois repete:
- Me olhando, as pessoas. Eu, juntando as ameixas.
Ela apaga o cigarro. Olho o relógio, faltam quinze minutos. Acendo outro cigarro. Através da fumaça percebo que ela toca com cuidado alguma coisa dentro da bolsa, sem abri-la, por sobre o couro. Imagino que vá tirar mais um cigarro, mas ela nem chega a abrir a bolsa. Apenas toca nesse objeto no interior, distraída, com as pontas dos dedos de unhas roídas. Tão distante que preciso trazê-la de volta, firme:
- No que é que você está pensando?
Ela ri. Ela nunca riu antes, penso.
- Numa brincadeira besta que a gente tinha quando eu era mais guria. Aquela coisa de reunião dançante, cuba-libre, você sabe. - Tira o objeto de dentro da bolsa, mas permanece com ele fechado dentro da mão. - Faz tanto tempo que eu não bebo, tanto tempo que eu não danço. Tanto tempo, meu Deus, que eu não brinco. Será que ainda existe reunião dançante? E cuba-libre, será que existe? E aquela brincadeira, será que alguém ainda brinca? - Olha para mim. Imagino que o objeto em suas mãos deva ser uma caixa de fósforos. - Era meio sacana, mas uma sacanagem boba, meio juvenil, era assim. Uma pessoa tapa os olhos da gente com um lenço, depois aponta para outra pessoa e pergunta se você quer pêra, uva ou maçã. Pêra é um aperto de mão. Uva, um abraço. Maçã é um beijo na boca. - Ri de novo. E me olha enviesada. - Só que a gente dá um jeitinho de falar com a pessoa que pergunta e daí, quando ela aponta alguém que a gente tá a fim, dá um puxão disfarçado no lenço. Então a gente pede: maçã. - Enquanto fala, percebo que esfrega suavemente aquele objeto contra a blusa, sobre os seios. Sorri mais ao dizer: - Foi a primeira vez que eu beijei de língua.
Agora seus ombros estão um tanto baixos demais, quase curvos, côncavos. Os olhos brilham menos, começam a ficar meio enevoados. Acho que vai chorar, procuro com os olhos a caixa de lenços de papel. E que mais, penso em perguntar. Então ela endireita o corpo:
- Quanto tempo ainda falta?
Olho o relógio:
- Cinco minutos.
- Faltam cinco minutos, já no existem mais palavras - ela cantarola desafinada, com uma entonação que me parece irônica. - Tem uma música assim, não tem? Ou acabei de inventar, sei lá.
Continua a esfregar aquele objeto contra a blusa. O que será, penso sem interesse. Ela torna a olhar para as minhas meias. Talvez uma inteiramente branca, outra azul, listradinha de preto?
- Olha, antes de ir embora eu quero dizer a você que aposto nas ameixas. Foi isso que me veio na cabeça depois que saí caminhando. E quando entrei aqui no edifício, de costas para o enterro, o tempo todo, sem olhar para trás, no elevador, na sala de espera, quando entrei e sentei aqui, o tempo todo. - Os olhos brilham mais. Nunca ela me olhou tanto tempo de frente, antes. - Eu quero, certo? Eu preciso continuar apostando nas ameixas. Não sei se devo, também não sei se posso, se é. Permitido? Sei lá, acho que também não sei o que é dever ou poder, mas agora estou sabendo de um jeito muito claro o que é precisar, certo? E quando a gente precisa, não importa que seja proibido. Querer? - Interrompe-se como se eu tivesse feito uma pergunta. Mas eu não disse nada. - Querer a gente inventa.
Eu apago o cigarro. E bocejo sem querer.
- Ou não - ela diz levantando-se. Ela nunca levantou sem que eu dissesse bem-por-hoje-é-só, antes.
Eu levanto também, sem ter planejado. Isso nunca me aconteceu antes. Ela continua esfregando o objeto contra a blusa. Só quando interrompe o gesto, a mão estendida para mim, é que percebo. Trata-se de uma ameixa. Madura, cor de vinho tinto. De sangue, talvez. Ela caminha até a mesa, coloca-a sobre a agenda ao lado do telefone.
- Isto é para você.
- Obrigado - eu digo sem querer.
Ela arruma os cabelos com os dedos antes de sair.
- Feliz ano novo - diz, batendo a porta. Os olhos cintilam.
Mas estamos recém em setembro, penso em dizer. Apenas penso, ela já fechou a porta atrás de si. Torno a abri-la, mas não há mais ninguém na sala de espera além da secretária lixando as unhas. Fecho a porta outra vez e há um momento em que fico parado, ouvindo o barulho do relógio em contraponto com o ar-condicionado. Depois caminho até minha mesa. Toco a ameixa. A cor de sangue, de vinho, parece refletir-se na superfície polida das minhas unhas. É tão lustrosa que brilha, a casca estufada quase arrebentando pela pressão interna da polpa madura, que imagino amarela, sumarenta, estalando contra os dentes. Deixo a ameixa de lado e pego a agenda embaixo dela. Resolvo telefonar para seus pais, aconselhando que a internem novamente. Mas antes preciso ver a cor das minhas meias. Quem sabe a lilás, com pespontos azulmarinho? Os óculos tornam a escorregar para a ponta do nariz. Talvez a amarelinha de listras brancas? Não há tempo. A secretária começa a bater na porta, chegou o próximo cliente.

PÊRA, UVA OU MAÇÃ? Para Celso Curi, de Caio Fernando Abreu, em Morangos Mofados


Adoro Caio Fernando, Morangos Mofados é o livro da minha vida. Digo isso, porque nunca tinha lido alguém com quem me identificasse tanto, antes do Caio. Um tom irônico, inteligente e cruelmente real. Existe, para mim, o antes e o depois do Caio.
Esse conto é especial pra mim pelo assunto que fala. Poder, sanidade, visão sobre as coisas. Como nossos pensamentos podem ser estranhos a quem não os compartilha? Isso significa estarmos loucos ou errados? O que é certo e o que é errado? Quais são os parâmetros para se medir a loucura? Quem é o louco???
Me parece que o conhecimento desensibiliza algumas pessoas.

Não estamos falando apenas de um conto, certo?
A literatura pode modificar o homem. As ameixas podem mudar o dia.
Eu insisto nas ameixas e no ano que se poder renovar a cada dia.


Casas, apartamentos e aluguéis

Do outro lado da linha, ela riu. Pelo som, ele adivinhou que ela ria sem abrir a boca, apenas os ombros sacudindo, movendo a cabeça para os lados, alguns fios de cabelo caídos nos olhos.
- Não estou te alugando? - ela perguntou. - Você sempre diz que eu te alugo. Como se você fosse um imóvel, uma casa. Eu, se fosse uma casa, queria uma piscina nos fundos. Um jardim enorme. E ar condicionado. Que tipo de casa você queria ser, Lui?
- Eu não queria ser casa.
- Como?
- Queria ser um apartamento.
- Sei, mas que tipo?
Ele suspirou:
- Uma quitinete. Sem telefone.

Pela Passagem duma grande dor, Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Pra rir! (Já vi, e recomendo)


para saber mais sobre as Marias:http://www.asmariasdagraca.com.br/index3.html

"As Marias da Graça ganharam seus narizes vermelhos em Julho de 1991 e resolveram formar um grupo de mulheres palhaças, algo totalmente novo no país. São mulheres que trabalham o riso e escolheram a arte da palhaça para expressar o cotidiano feminino. Interferem assim, na visão tradicional deste universo artístico. "

Foi com as Marias que descobri o meu nariz, e passei a ver a vida com olhos mais cômicos, de uma forma mais leve. Além de excelentes palhaças, são também excelentes professoras. Daquelas que ensinam toda a sua arte sem medo. Sem enrustir seus conhecimentos, por que confiam no seu potencial. Sabem que há espaço para todos, e por isso são capazes de dividir.
Essas mulheres mudaram minha vida.
Assistam, eu recomendo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

minha primeira aula

Ouvi as crianças me chamando de tia, eu que só era chamada assim por uma, de repente passei a ouvir isso de mais umas cem... e a sensação foi boa.

desenho de um dos pequenos, cultura afro-brasileira: maracatú e capoeira

segunda-feira, 3 de novembro de 2008